Segundo o relato da Criação, com que a Bíblia se inicia, “no
PRINCÍPIO, criou Deus os céus e a terra.” (Génesis 1:1). Mas, pergunta
fulcral: que “princípio” foi este? À primeira vista, esta pergunta
poderá parecer desnecessária e, por conseguinte, até ridícula! A
resposta mais óbvia parece ser uma simples redundância: o princípio é o
princípio, ponto final. Certamente que deveria ser por aqui que
deveríamos ficar, se a própria Bíblia não nos falasse de outros
“princípios”. De facto, esses outros “princípios” parecem não ter nada a
ver com este “princípio” mencionado em Génesis 1:1. Senão vejamos:
Disse Jesus: “Vós sois do diabo, que é vosso pai, e quereis
satisfazer-lhe os desejos. Ele foi homicida desde o PRINCÍPIO e jamais
se firmou na verdade, porque nele não há verdade. Quando ele profere a
mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da
mentira.” (João 8:44).
“Aquele que pratica o pecado procede do
diabo, porque o diabo vive pecando desde o PRINCÍPIO. Para isto se
manifestou o Filho de Deus: para destruir as obras do diabo.” (1 João
3:8).
Segundo o relato da Criação (em Génesis 2), assim que Deus
criou Adão deu-lhe IMEDIATAMENTE uma ordem para não comer do fruto de
uma determinada árvore que havia no jardim do Éden: “Tomou, pois, o
Senhor Deus ao homem e o colocou no jardim do Éden para o cultivar e o
guardar. E o Senhor Deus lhe deu esta ordem (1):
De toda a árvore do
jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal
não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás.”
(Génesis 2:15-17).
Fácil nos é compreender que, se Deus deu esta ordem a
Adão (ainda antes da criação de Eva), é porque o diabo já era um
inimigo declarado de Deus e, se estava presente no jardim do Éden, é
porque já tinha sido “atirado para a terra, e, com ele, os seus anjos”
(Apocalipse 12:9)!
Ou seja, os acontecimentos que rodearam a criação
deste mundo e de Adão e Eva, tiveram claramente lugar NUM TEMPO
POSTERIOR à expulsão de satanás e dos seus anjos do céu.
Ora, se a
criação deste mundo e de Adão e Eva ocorreram após a expulsão de satanás
do céu, com muito maior legitimidade podemos então afirmar que a
criação da terra e da raça humana ocorreram MUITO DEPOIS da criação de
Lúcifer, uma vez que, também ele, foi criado por Deus (o texto de
Ezequiel 28:15, referindo-se a satanás, afirma: “Perfeito eras nos teus
caminhos, desde o dia em que FOSTE CRIADO até que se achou iniquidade em
ti.”).
Ou seja, uma primeira conclusão podemos já retirar: o Deus
Criador trouxe à existência seres criados em DIFERENTES MOMENTOS, no
tempo! Mas há mais…
Não só foram satanás, e provavelmente outros
anjos, criados MUITO ANTES de Deus ter criado este planeta Terra e os
seus habitantes, mas outros seres (não angélicos) foram também criados
ANTES desta terra e dos seus habitantes terem vindo à existência! É o
que nos diz o próprio Deus, numa série de perguntas que colocou ao Seu
servo Jó para levar este a cair em si e a reconhecer a Sua autoridade
suprema sobre todas as coisas: “Onde estavas tu, quando Eu lançava os
fundamentos da terra (2)?
Diz-mo, se tens entendimento. Quem lhe pôs as
medidas, se é que o sabes? Ou quem estendeu sobre ela o cordel? Sobre
que estão fundadas as suas bases ou quem lhe assentou a pedra angular,
quando as estrelas da alva [entenda-se: anjos], juntas, alegremente
cantavam e rejubilavam todos os filhos de Deus?” (Jó 38:4-7).
Quem eram
estes “filhos de Deus”, aqui mencionados, que “rejubilavam”, se os
próprios “fundamentos da terra” ainda estavam a ser lançados? Seres
humanos? De forma alguma, uma vez que estes só foram criados depois da
terra ter sido fundada! A única resposta plausível é que se tratavam de
seres, também eles, obviamente, criados por Deus, mas que JÁ EXISTIAM
aquando da criação desta terra e dos seus habitantes! Foi tudo criado
por Deus ao mesmo tempo? A resposta a esta pergunta agora parece-nos
óbvia: Não! Mas ainda há mais…
Um fabuloso texto que encontramos
no livro de Provérbios vem, de forma clara e definitiva, encerrar este
assunto e esclarecer, uma vez por todas, a nossa questão inicial (as
palavras em maiúsculas têm a função de realçar o assunto que estamos a
tentar compreender):
“O Senhor me possuía no início da Sua obra,
antes das suas OBRAS MAIS ANTIGAS. Desde a eternidade fui estabelecida
(3), desde O PRINCÍPIO, ANTES DO COMEÇO DA TERRA. Antes de haver
abismos, eu nasci, e antes ainda de haver fontes carregadas de águas.
Antes que os montes fossem firmados, antes de haver outeiros, eu nasci.
AINDA ELE NÃO TINHA FEITO A TERRA, nem as amplidões, nem sequer o
princípio do pó do mundo. QUANDO ELE PREPARAVA OS CÉUS, aí estava eu;”
(Provérbios 8:22-27).
Conclusões óbvias a retirar deste texto:
1ª) Há “OBRAS MAIS ANTIGAS” do que outras, o que significa claramente
que Deus não criou tudo ao mesmo tempo, mas foi antes criando diferentes
obras em diferentes épocas, no tempo;
2ª) O “PRINCÍPIO” aqui
referido nesta passagem bíblica refere-se claramente a uma época que
existiu “ANTES DO COMEÇO DA TERRA”. Daí que possamos inferir que o
“princípio” mencionado em Génesis 1:1 pode não se referir,
necessariamente, ao “começo [desta] terra”;
3ª) O texto refere
ainda que “AINDA ELE NÃO TINHA FEITO A TERRA” quando já “PREPARAVA OS
CÉUS”. Pelo paralelismo típico da literatura hebraica (sobretudo na
chamada literatura poética e sapiencial, de que o livro de Provérbios é
um exemplo), podemos colocar em paralelo as seguintes expressões:
“antes do começo da terra” = “ainda Ele não tinha feito a terra”
e
“[as] suas obras mais antigas” = “quando Ele preparava os céus”
e concluir que a criação dos céus ocorreu ANTES da criação da terra,
uma vez que a criação dos “céus” aparece na categoria das “Suas obras
mais antigas”.
Conclusões finais:
O texto de GÉNESIS 1:1, à
luz de outros textos bíblicos, pode assim ser facilmente compreendido
como sendo uma referência genérica à CRIAÇÃO DO UNIVERSO, assim como à
criação de um primeiro “esboço” da terra (“esboço” esse que corresponde à
“terra… sem forma e vazia”, mencionado no versículo 2).
O
universo foi, todo ele, criado por Deus (ver: Hebreus 11:3), mas numa
época ANTERIOR à criação deste planeta Terra em que habitamos. E tal
conclusão, longe de pôr em causa qualquer princípio de fé bíblico,
reforça antes a nossa compreensão do Deus que a Bíblia nos apresenta.
Pensemos no seguinte: acreditamos nós que Deus é simultaneamente um
Deus eterno e um Deus criador? Para qualquer cristão bíblico, a resposta
é clara e óbvia: SIM! Então, se Deus é um Deus criador e ao mesmo tempo
um Deus eterno, não fará muito mais sentido acreditar que Ele foi
manifestando o Seu poder criador ao longo dos séculos e milénios da
Eternidade? Certamente que sim, tanto mais que é ISSO MESMO que a Bíblia
nos revela!
Uma última pergunta: faz algum sentido aceitar que
possam existir estrelas que emitem a sua luz há milhares, milhões ou
mesmo biliões de anos? Respondo com outra pergunta: o que é que são
esses milhares, milhões ou biliões de anos, comparados com A ETERNIDADE
DE DEUS? Daí que a expressão contida em Génesis 1:16 (“e fez também as
estrelas”) não faça muito sentido no contexto da criação desta terra! De
facto, essa expressão não aparece nos manuscritos mais antigos e terá
sido, por isso, segundo alguns estudiosos bíblicos, adicionada por um
escriba no decorrer de um trabalho de cópia, talvez por esse escriba
considerar que, nesse texto, seria provavelmente o melhor local para se
falar da criação das estrelas, cuja referência lhe parecia estar omissa
(e provavelmente estaria mesmo!).
“Foi o universo formado pela
palavra de Deus, de maneira que o visível veio a existir das coisas que
não aparecem”? Sem dúvida alguma que sim! Mas o autor da epístola aos
Hebreus, o apóstolo Paulo, diz-nos (em Hebreus 11:3) que é “pela fé” que
“entendemos” essa realidade, o que pressupõe que tal conhecimento
ultrapassa qualquer paradigma meramente racional e/ou científico.
(4). É
pela fé que entendemos, e não apenas pela razão, porque a razão aqui
torna-se claramente INSUFICIENTE para apreendermos a globalidade das
obras criadas por um Deus omnipotente!
Mas uma coisa podemos
saber e compreender de forma racional: Deus NÃO CRIOU TUDO AO MESMO
TEMPO, porque sendo Ele simultaneamente Eterno e Criador, foi
manifestando em diferentes épocas sucessivas o Seu Poder Criador. Eu
assim o creio, PORQUE A BÍBLIA O DIZ!
NOTAS:
(1) “Esta
ordem” mostra como Deus tinha criado seres moralmente livres. Afinal de
contas, se não tivessem a possibilidade de desobedecer, porquê
adverti-los?
(2) Certamente que a “terra” aqui mencionada se refere ao nosso planeta Terra!
(3) Referência à Sabedoria, que Ellen White afirmou tratar-se da pessoa de Jesus Cristo:
"O Senhor Jesus Cristo, o divino Filho de Deus, existiu desde a
eternidade, como pessoa distinta, mas um com o Pai. Era Ele a excelente
glória do Céu. Era o Comandante dos seres celestes, e a homenagem e
adoração dos anjos era por Ele recebida como de direito. Isto não era
usurpação em relação a Deus. “O Senhor Me possuiu no princípio de Seus
caminhos”, declara Ele, “e antes de Suas obras mais antigas. Desde a
eternidade, fui ungida; desde o princípio, antes do começo da Terra.
Antes de haver abismos, fui gerada; e antes ainda de haver fontes
carregadas de águas. Antes que os montes fossem firmados, antes dos
outeiros, eu fui gerada. Ainda Ele não tinha feito a Terra, nem os
campos, nem sequer o princípio do pó do mundo. Quando Ele preparava os
céus, aí estava eu; quando compassava ao redor a face do abismo.”
Provérbios 8:22-27." (EGW, Mensagens Escolhidas, vol. 1, pág. 247, da
edição online)
"O Soberano do Universo não estava só em Sua obra
de beneficência. Tinha um companheiro — um cooperador que poderia
apreciar Seus propósitos, e participar de Sua alegria ao dar felicidade
aos seres criados. “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus,
e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus”. João 1:1, 2.
Cristo, o Verbo, o Unigênito de Deus, era um com o eterno Pai — um em
natureza, caráter, propósito — o único ser que poderia penetrar em todos
os conselhos e propósitos de Deus. “O Seu nome será: Maravilhoso
Conselheiro, Deus forte, Pai da eternidade, Príncipe da paz”. Isaías
9:6. Suas “saídas são desde os tempos antigos, desde os dias da
eternidade”. Miquéias 5:2. E o Filho de Deus declara a respeito de Si
mesmo: “O Senhor Me possuiu no princípio de Seus caminhos, e antes de
Suas obras mais antigas. [...] Quando compunha os fundamentos da Terra,
então Eu estava com Ele e era Seu aluno; e era cada dia as Suas
delícias, folgando perante Ele em todo o tempo”. Provérbios 8:22-30."
(EGW, Patriarcas e Profetas, pág. 8, da edição online)
(4) Isto
tendo em conta que, de uma maneira geral, o paradigma científico atual
não aceita nada da ordem do sobrenatural, apenas factos do mundo
natural. Por conseguinte, é rejeitada liminarmente e, à partida,
qualquer intervenção da fé! Contudo, não deixa de ser estranha tal
assunção, pois, na prática, na base de qualquer paradigma científico a
fé ou a crença em algo está presente!
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